sábado, 26 de agosto de 2017

Você confia no médico que recebe presentes da indústria farmacêutica?

Um novo estudo sugere que os pacientes confiam menos em profissionais que aceitam brindes, viagens ou honorários – práticas de marketing populares. Será o suficiente para alertar os médicos?


Quais motivos fazem você confiar em seu médico? O tempo que ele tem de experiência? Onde estudou e os cursos que fez? A recomendação de amigos? Todos esses fatores objetivos – e alguns outros subjetivos, como o gênero, acreditem – contribuem para a construção de uma relação de confiança com o profissional que tem em suas mãos nosso bem mais precioso, a saúde. Mas um outro fator, que costuma passar despercebido até pelo mais atento dos pacientes, mostrou-se igualmente importante em um novo e interessante estudo feito nos Estados Unidos. Um levantamento conduzido por pesquisadores da Universidade Harvard e da Califórnia sugere que a proximidade dos médicos com a indústria farmacêutica afeta de maneira negativa a percepção dos pacientes sobre a credibilidade do profissional. Dificilmente pensamos se suas decisões podem ser afetadas por outros interesses que não o melhor desfecho para nosso tratamento. Alguém se questiona se recebeu a prescrição de um medicamento porque é realmente o melhor para o seu caso ou, talvez, porque o médico ficou com o nome na cabeça depois de ir ao congresso financiado pela empresa? A nova pesquisa americana mostra que, quando cientes dessas influências que soam tão longínquas, os pacientes se importam sim. E passam a confiar menos em seu médico.
Prescrição: o marketing da indústria influencia o médico na hora de receitar um medicamento? (Foto: Thinkstock/Getty Images)

Por que isso importa?
Os médicos são um dos principais alvos das estratégias de marketing das empresas que desenvolvem e vendem medicamentos e dispositivos de saúde. A lógica é óbvia: são eles os donos doreceituário. Se o médico prescreve um medicamento, o paciente costuma – na maior parte dos casos – acatar a recomendação. Logo, é importante para as empresas deixar os profissionais de saúde cientes de seu portfólio de produtos. E, para isso, as empresas farmacêuticas, como quaisquer outras, lançam mão de estratégias de divulgação. Fazem parte desse rol de procedimentos as visitas dos representantes – aquele pessoal que vai aos consultórios com malinhas, para informar o médico sobre os últimos lançamentos e, de quebra, distribuir presentinhos que deixam as marcas de medicamentos muito visíveis para médicos e pacientes: canetas, blocos de anotação, materiais educativos, itens de demonstração, amostras grátis…
Há ainda outras instâncias de influência, praticamente invisíveis aos pacientes – e que nos tiram o poder de refletir sobre o impacto do marketing no tratamento. Uma das táticas é levar os médicos para congressos, em que apresentam pesquisas sobre os produtos – um recurso que muitos profissionais usam como atualização científica, mas que guarda o risco de torná-la parcial. Também não é raro que médicos se tornem consultores das empresas, recebendo honorários para falar sobre produtos ou sobre as doenças para as quais os medicamentos se destinam. Muitos deles participam do desenvolvimento das diretrizes para o cuidado de várias condições, elaboradas pelas sociedades médicas de cada especialidade. Acabam influenciando não apenas os rumos do tratamento de seus pacientes, mas dos pacientes de outros milhares de médicos. É uma teia de influência tão invisível quanto extensa. 
Isso não significa que os médicos que recebem representantes, que aceitam convites para congressos ou que se tornam palestrantes das empresas ajam deliberadamente para favorecer os interesses da indústria. Apenas que eles – como qualquer profissional de outro ramo – podem ser suscetíveis ao fator reciprocidade, uma tendência inconsciente de retribuir um favor. Ou, pelo menos, são tão afetados pelas estratégias de marketing como a maioria das pessoas. Um levantamento divulgado no ano passado mostrou que médicos americanos que receberam pagamentos módicos da indústria – por refeições de R$ 60 – prescreveram mais medicamentos de marca. É um sinal de que mesmo os médicos que tentam limitar seu contato com a indústria a alguns parâmetros podem sofrer – consciente ou inconscientemente – influência na hora de prescrever. Como o que está em jogo é a saúde física e econômica – de pessoas, operadoras de saúde e sistemas públicos –, o ideal é que médicos, sociedades médicas, hospitais, enfim, todos os que fazem parte da cadeia blindem-se ao máximo contra essas influências. A nova pesquisa feita nos Estados Unidos pode ajudar nesse convencimento, já que pela primeira vez ficou evidente que os médicos podem perder um bem muito precioso para sua reputação: a confiança de seus pacientes.
A visão dos pacientes
Para chegar a essa conclusão, os pesquisadores americanos usaram um sistema valioso, mas, infelizmente, disponível apenas nos Estados Unidos. Por lá, as empresas farmacêuticas são obrigadas por lei a informar pública e nominalmente quais médicos receberam verbas de marketing da empresa – e quanto eles receberam. Isso inclui desde honorários para falar sobre um produto até almoços de relacionamento. De posse dessas informações, os pesquisadores pediram para que 278 voluntários averiguassem nessas plataformas públicas quanto os médicos previamente selecionados pelos pesquisadores tinham recebido das empresas (eles tentaram uniformizar outras características dos profissionais, como gênero e idade, para isolar a influência da proximidade com a indústria na avaliação dos voluntários).
O resultado não foi muito surpreendente: os pesquisadores perceberam que os voluntários deram notas piores nos quesitos relacionados à credibilidade (honestidade, fidelidade, competência, confiança) dos profissionais que receberam pagamentos. No balanço geral dessas categorias, a nota dos médicos que não receberam nenhum pagamento foi 3,13. Dos profissionais que receberam entre US$ 200 e US$ 300, a pontuação foi 3,05; e a dos que receberam mais de US$ 13 mil foi 2,88. “No estudo, os médicos que receberam pagamentos mais altos foram percebidos como menos honestos e menos comprometidos com o melhor interesse dos pacientes do que os que não receberam pagamentos”, escreveram os autores do levantamento, divulgado em julho em uma publicação científica da Sociedade de Clínica Médica dos Estados Unidos.
O que fazer?
O assunto é desconfortável para pacientes e médicos: nos faz questionar as influências às quais os profissionais estão sujeitos e, para eles, leva a uma autorreflexão sobre o impacto, ainda que inconsciente, do marketing da indústria sobre suas práticas clínicas. Mas não deveria ser impedimento para que a conversa surja. Por que não questionar os motivos que levaram seu médico a prescrever uma determinada marca de medicamento? Ou se ele aceita convites para congressos? Ou se ele representa alguma empresa? Se o assunto for tabu, há motivo para reavaliar a confiança depositada no profissional.
Fonte - epoca.globo.com

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