quarta-feira, 16 de dezembro de 2015

Impeachment: entre o Direito e a política

No caso da presidente Dilma Rousseff, as acusações são genéricas, incapazes de indicar um ato concreto

Luís Inácio Adams, O Globo
Nos últimos meses, temos visto um intenso debate em torno da abertura de um processo de cassação do mandato presidencial, que vem a ser denominado impeachment. É o impedimento do presidente ou de qualquer outra autoridade que cometa crime de responsabilidade (ministro do Supremo Tribunal Federal, procurador-geral da República, advogado-geral da União, entre outros).
No caso brasileiro, a responsabilidade do presidente da República está fixada nos artigos 85 e 86 da Constituição e deve ser apurada pelas duas casas do Congresso Nacional e pelo Supremo Tribunal Federal. A Carta Magna estabelece claramente que a responsabilidade do presidente decorre de atos que pratica no exercício do mandato (artigo 85) e que ele não pode ser penalizado por ações alheias às suas funções (artigo 86).
Portanto, é requisito para responsabilização do presidente da República que haja um ato próprio, que seja praticado no exercício do mandato e que atenda às hipóteses típicas e objetivas fixadas na Constituição e lei especial (parágrafo único do artigo 85).
A Lei 1.079, de 1950, adotada na vigência da Constituição Federal de 1946, possui algumas diferenças substanciais em relação ao texto constitucional de 1988, em especial a atribuição do Senado da República. Nas Constituições anteriores, bastava a Câmara dos Deputados decretar a procedência da denúncia para determinar o afastamento do presidente da República.
Com a Carta Magna de 1988, o afastamento somente ocorre com a instauração do processo pelo Senado Federal, nos casos de crime de responsabilidade, ou com o recebimento da denúncia pelo STF, no caso de infrações penais comuns (artigo 86). No Senado, o processo tem início sob a direção do presidente do Supremo Tribunal Federal.
Dessa forma, cabe tanto ao Senado quanto ao STF receber o processo autorizado na Câmara dos Deputados para, examinado o mérito, admiti-lo ou não. Até porque a Constituição é clara ao afirmar que nem o Senado nem o STF são subordinados à Câmara dos Deputados. Não são, no dizer de um ex-ministro do STF, casas meramente “litero-poético-recreativas”.
Portanto, claro está que que o processo de impeachment não é uma ação meramente política (se assim fosse, não se justifica a presença do STF na condução do mesmo), mas um julgamento de conduta do presidente da República por atos objetivos que tenha praticado no exercício do mandato, que atentem contra a Constituição e estejam devidamente parametrizados em tipos jurídicos concretos.
No caso da presidente Dilma Rousseff, as acusações são genéricas, incapazes de indicar um ato concreto. Na denúncia admitida pelo presidente da Câmara, busca-se responsabilizar a presidenta pelo conjunto de decretos orçamentários que autorizaram despesas em 2015, já que, no entender dele, prejudicariam a meta fiscal, o que seria vedado pela LDO.
O artifício da acusação é evidente, pois:
1) A autorização de despesa não afeta a meta fiscal, pois a disponibilidade financeira não foi alterada (artigo 9º da LRF fixa o controle da meta pela disponibilidade financeira mediante o contingenciamento);
2) não há sequer formação de culpa, já que os órgãos responsáveis por decidir a correção na adoção desses decretos ainda não se posicionaram sobre o tema (Comissão Mista do Orçamento) e o relator do Orçamento já considerou regulares os decretos;
3) em face da anualidade orçamentária, a própria alteração da meta fiscal pelo Congresso Nacional demonstra a conformidade da decisão presidencial em atender despesas necessárias da administração, particularmente do próprio Judiciário.
A presidente da República enfrenta um processo de impeachment pautado em acusações artificiosas e com motivações baseadas na ambição, no medo e no ressentimento. E o julgamento que se há de fazer não pode se fundamentar em parâmetros típicos do sistema inquisitorial e que o Direito tanto repudia. Um mandato presidencial conquistado pelo voto não pode ser cassado com base em pesquisa de opinião.
 Direito e política (Foto: Arquivo Google)Direito e política (Foto: Arquivo Google)
Luís Inácio Adams é advogado-geral da União

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